quinta-feira, 21 de novembro de 2019

TERRA DE SANTA MARIA

A TERRA DE SANTA MARIA era antigamente uma vasta região delimitada a Norte pelo rio Ave, que vai desde a sua nascente na serra da Cabreira, em Vieira do Minho, até ao Atlântico, em Vila do Conde, e a Sul pelo rio Caima, cuja nascente é na serra da Freita, indo desaguar no rio Vouga, junto a Sernada do Vouga. Pelo Este, os limites deste território eram o rio Arda, o qual nasce na União de Freguesias de Arouca e Burgo, indo entrar na margem esquerdo do Douro, em Pedorido, Castelo de Paiva, e o rio Sousa, que nasce em Friande, Felgueiras, desaguando na margem direita do mesmo Douro, na freguesia de Foz do Sousa, Gondomar. Pelo Oeste todo este território era banhado pelo Atlântico.
Mais tarde ao território que fica na margem direita do Douro passou a chamar-se Terra da Maia, compreendendo tudo o que fica entre o rio Douro e o rio Lima, de sul a norte, e o rio Sousa e o mar, de leste a oeste.
Esta denominação de Terra de Santa Maria, deu-se a partir da sua conquista aos mouros, nos séculos X e XI.
A povoação que deu início àquela que hoje se denomina de Santa Maria da Feira, ter-se-á iniciado com a fundação de uma colónia de galo-celtas, pelos anos 390 a.C., com o nome de Lancobriga ou Langobriga.
Presume-se que o chefe dessa colónia se chamasse Lanca, e dele tomou a povoação o nome. Na linguagem celta, Lancobriga significa povoação, ou cidade de Lanco.
Há porém quem ache a fundação desta povoação ainda mais remota, em 2084 a.C., e que o seu fundador foi Brigo, 4º rei de Hespanha, baseando-se unicamente na terminação briga, sem acrescentar qualquer outro facto por onde se prove tal antiguidade.
O que está provado é que briga é palavra céltica e que significa povoação, cidade, etc. Se briga, em alguns casos, indica povoação fundada por Brigo ou em sua honra; o que podia ser muitos anos depois da sua morte, na sua maior parte não exprime mais do que povoação ou cidade.
Também se afirma que a primitiva ocupação humana do sítio remonta à pré-história e que adquiriu relevância quando os Lusitanos lá ergueram um templo em honra da divindade Bandeve-Lugo Tuerœs.
A Feira era uma fortaleza militar e a tradição oral e escrita diz-nos que foram os mouros quem a fundou, mas o que parece não sofrer contestação é que quando estes chegaram ao local onde se encontra o castelo, já lá existia uma povoação, como o atestam inscrições romanas ali encontradas em 1912 e 1917, e ainda uma última em 1937, esta bastante deteriorada, não sendo, por isso, possível fazer a sua leitura. Estes achados parecem sugerir a existência de um templo; o que leva a crer que deveria o povoado ter uma certa importância. Depois a circunstância deste povoado estar no cimo de um outeiro; aliada à importância que forçosamente teria, faz-nos acreditar ter havido no local um castro ou castelo, para defensão dos moradores; o que induz que a fundação desta fortaleza seja obra dos romanos e não dos mouros, como refere a tradição.
Consta no manuscrito “Crónica dos Godos” que noticia a vitória de Bermudo III de Leão (1028-1037) sobre um chefe muçulmano em Terras de Santa Maria, uma referência a esta fortificação. Será deste período a construção da torre de menagem, com funções de alcáçova, protegida por uma cerca amuralhada, da qual apenas restam vestígios.
Como aconteceu em todas as povoações da Península, a Feira sofreu as consequências das constantes guerras da idade média, até que, cerca do século I, caiu em poder dos romanos, exaurida de forças, e quási reduzida a mulheres e crianças.
Porque os romanos achavam bárbara a terminação briga, esta foi latinizada em todas as povoações da Lusitânia, alterando-se para brica, e assim Lancobriga passou a chamar-se Lancobrica.
Próximo desta cidade passava a via militar romana, que de Mérida, então capital da Lusitânia, vinha a Conimbriga (Condeixa a Velha), Talábriga, Lancobriga; importante durante o domínio romano, e Cale (Gaia), e que conduzia até Bracara Augusta (Braga). Como era uma estrada necessitada com frequência de reparações nos pântanos por onde passava, tornando-se por isso muito dispendiosa, os árabes, no século IX, construíram uma nova via de Coimbra a Porto de Cale, pela cidade de Ӕminium (Águeda), seguindo um traçado muito idêntico ao da antiga estrada real, mais tarde estrada nacional 1, de Lisboa para o Porto, que durou muitos anos e também conhecida por estrada mourisca.
Pinho Leal situa Talábriga em Aveiro, mas também afirma que se diz que o seu primeiro assento “era onde hoje está a povoação de Cacia” no entanto tudo indica que esta povoação romana se situava em Cabeço do Vouga (Lamas do Vouga), na União de Freguesias de Trofa, Segadães e Lamas do Vouga, concelho de Águeda.
Por sua vez Lancobriga também não seria a povoação junto ao castelo da Feira, mas no Monte (Redondo) de Santa Maria (Castro de Fiães), freguesia de Fiães, no mesmo concelho de Santa Maria da Feira (cerca de 8 km da sede do concelho). Escavações efetuadas no local, em 1971, especialmente na área a nascente da capela de Nossa Senhora da Conceição, erguida aí mais tarde, permitiram colocar a descoberto uma zona bastante revolvida e algum espólio balizado cronologicamente entre os séculos IV e V dC, correspondendo a uma das fases de maior atividade registadas no sítio. Alguns indícios de fragmentos encontrados apontam para a construção inicial desta estação arqueológica em plena Idade do Ferro nesta região; a maioria dos artefactos encontrados aponta para o período relativo à ocupação romana. Sondagens efetuadas em 1980 permitiram localizar um troço da muralha erguida na primeira fase da ocupação do local, correspondente à idade do ferro.
Em O Arqueólogo Português – 1ª Série, Volume IV (1898), pág. 250, pode ler-se:
“219. Fiaes (Beira)
Sepulturas «mouriscas».
Freguesia de Santa Maria. Comenda da Feira. – «Algũas antiguidades se descobrem nesta freguesia como são as seguintes: No sitio da Capella da Senhora da Conceyção de que se faz memsam no interrogatório 13 se tem por virozimel ser povoação de Mouros; porque se achão pedaços de paredes de cantaria; muito tijolo, e muita cinza e carvões indicios de cozinhas. Algum dinheiro de cobre com figuras e outros crateres, cujos letreiros se não persebem e tambem se achou huma moeda de ouro do tamanho de hũa de dezasseis tostões.
Tambem se descobrem em outro oiteiro defronte da dita Capela enterrados debaxo da terra altura de dous palmos varias panellas e salgadeiras de barro vermelho, tapadas todas com louzas de pedra, todas com seus letreiros ao paresser de letra mourisca e dentro das tais panellas ossos e carvões, metais sem se saber que metal seja, pois tudo se acha quazi gasto; e dentro em alguns destes vazos se achavão copos de feytio de calis, e em hum se descobrirão mais de cincoenta vazos destes, de que hoje não ha nenhuns pois se quebrarão». (Tomo XV, fl. 411)”
No período do domínio romano e no princípio do gótico, Lancobriga pertencia ao bispado de Mérida. Ao ser criado o bispado de Coimbra, os godos retiraram do bispado de Mérida todo o território entre o Mondego e o Douro, e outras terras, para constituírem o novo bispado, ficando Lancobriga a pertencer ao bispado de Coimbra até 1195, passando então a ser do Porto.
Quando a Lusitânia foi invadida pelos povos do norte, Lancobriga ficou a pertencer aos Visigodos, vulgarmente designados Godos.
É muito provável que foram os godos os construtores do atual castelo, face à sua arquitetura e às suas seteiras em forma de cruz. As seteiras das fortalezas árabes eram em forma de um crescente.
Apresentando o castelo da Feira indícios de ser construção gótica, tal não quer dizer que foi construído nos três séculos do seu domínio na Península, uma vez que a arquitetura gótica sobreviveu por muitos séculos; no entanto supõe-se que quando os muçulmanos ocuparam a Feira, já o castelo existia.
Pensa-se que durante o domínio árabe, Lancobrica conservou o seu nome primitivo “Lancobriga”, não havendo provas do contrário.
À medida que os cristãos foram conquistando território aos árabes e tendo já conquistado toda a província do Minho até ao Porto, Afonso III de Leão concedeu aos seus cavaleiros todas as terras que resgatassem a sul do Douro, criando uma região administrativa e militar denominada Terras de Santa Maria, sendo a sua chefia numa fortaleza existente em Santa Maria da Feira, a Civitas Sanctӕ Mariӕ, que funcionou como base avançada da reconquista cristã e sentinela contra as invasões árabes vindas do sul. Esta região abrangia todo o território conquistado desde o rio Arda até ao mar e do rio Douro até ao rio Caima.
Em 990, no reinado de D. Bermudo II de Castela, o Gotoso, os condes Mem Guterres e Mem Lucídio, juntamente com os senhores do Marnel, estando a então Lancobriga abandonada e muito destruída, a reedificaram e povoaram de cristãos, reedificando também o seu castelo, estrutura importante, naquele tempo, para a sua defensão.
Na Corografia Portuguesa, sobre Vila da Feira, se diz:
T R A T A D O IV, Da Comarca, & Ouvidoria da Feira. C A P I T V L O I. Da descrição da Vila da Feira. CINCO léguas da Cidade do Porto para a parte do Sul, e duas do mar Oceano para o Nascente, entre os dois celebrados rios Douro & Mondego, quási em igual distância de um e outro, em um ameno e salutífero Vale tem seu assento a nobre Vila da Feira, que povoaram pelos anos de 990. O Duque Mem Guterres e o Conde Mem Lucídio, juntamente com os senhores de Marnel, todos mui chegados em parentesco aos Reis de Leão, donde se chamaram Infanções antigos de Santa Maria, como se chama toda esta terra, de que foram senhores os Condes da Feira, que por muitos anos moraram no seu Castelo, que está em lugar iminente e foi fundação dos Mouros. (…) É esta Vila abundante de todos os frutos, caça, gado, carne de porco, linho, lenha e de regalado peixe. Assistem ao seu governo civil um Ouvidor Letrado, que apresentavam os Condes desta Vila, três Vereadores, um Procurador do Concelho, Escrivão da Câmara, um Juiz dos Órfãos com seu Escrivão e Porteiro, quatro Tabeliães do Judicial e Notas, Distribuidor, Inquiridor e Contador, um Meirinho, um Alcaide, e é da Provedoria de Esgueira. Ao militar hum Capitão-mor e Sargento-mor com treze Companhias da Ordenança da Vila e seu termo, que é mui dilatado…”
É esta a versão mais corrente, mas há quem afirme existir um documento de 897 em que aparece Mem Guterres como pai de Enderquina Pala e que Mem Lucídio figura em documentos de 1014 a 1050. Assim sendo, é impossível que juntos cometessem tal empreendimento. O mais provável é ter havido duas reedificações e não uma só.
O lendário guerreiro árabe Almançor, no ano 1000, por duas vezes invadiu a região, conquistou o castelo e arrasou a povoação, voltando sempre a ser reconquistada e reconstruída pelos cristãos, mantendo o seu nome de Civitas Sanctӕ Mariӕ.
Esta região foi de novo invadida no reinado de Bermudo III (1028-1037), mas foram os mouros desbaratados na batalha de Cesar, povoação que ainda hoje mantém esse nome e é freguesia do concelho de Oliveira de Azeméis. Também aqui há controvérsia, pois há quem aponte como data desta batalha o ano de 1045, mais exatamente a 10 de abril. O que parece certo é que Bermudo III faleceu em1037.
Durante muito tempo a Terra de Santa Maria foi zona de fronteira com os árabes. Depois da conquista de Coimbra (1064 ou1067), por Fernando I de Leão, o Magno, funcionou como “viveiro” de cavaleiros e peões que alimentava as tropas da frente sul, só possível pelo carácter permanente da organização militar instalada na Terra de Santa Maria.
Os descendentes de Mem Lucídio, de Mem Guterres e dos senhores do Marnel, ganharam o nobre título de infanções de Santa Maria, título inferior ao de rico-homem, equivalente a escudeiro, fidalgo que regia terras ou era guarda de castelos. Título que se atribuía aos filhos segundos e capitães das tropas dos Infantes, assim como se dizem Infantes aos filhos segundos dos reis.
No Portugal Antigo e Moderno, Volume Segundo, (pág. 351) se diz que o moçárabe D. Sisnando:
«Desgostoso com o emir (de Sevilha) entrou ao serviço de Fernando Magno, rei de Leão e Castella, e tanto se distinguiu pela sua intelligencia e bravura, que D. Fernando o fez conde (governador) das terras portuguesas ao sul do Douro, ás quais serviam de limite, pelo E. a linha de Lamego, Viseu e Cea, e de fronteira pelo SE. a vertente N. da serra da Estrella, cujo território formava então o condado de Coimbra.
Era também senhor das Terras de Santa Maria (hoje Terra da Feira).»
A Terra de Santa Maria era tida em tanta conta pelos reis de Castela e pelos primeiros Reis de Portugal, que todo o cavaleiro ali nascido tinha foros e privilégios de infanção e todos os peões tinham foro de cavaleiros. Os primeiros infanções que houve em Portugal foram os da Terra de Santa Maria.
Quando, em 1093, o conde D. Henrique tomou posse de Condado Portucalense, confirmou todos os foros e privilégios da Terra de Santa Maria e lhe deu foral em 1109, em que dava a esta povoação o título de vila. Este foral vem mencionado nas inquirições tiradas no mês de agosto de 1251.
Com a morte do conde D. Henrique, senhor do condado Portucalense, passou este a ser governado pela viúva D. Teresa, a qual se deixou envolver pelo fidalgo galego, Fernão Peres de Trava, que por sua vez estava ao serviço do arcebispo de Compostela D. Diogo Gelmires, assumindo na prática este Fernão Peres de Trava o governo do condado. Era intenção de D. Diogo Gelmires submeter o Condado Portucalense. Pouco a pouco a pequena burguesia portucalense foi sendo substituída por gentes da Galiza. Mais tarde este ataque económico e administrativo estendeu-se aos grandes senhores de terras e de poder, quer norte, quer a sul do Douro. As famílias Moniz: Ermígio, Mendo e Egas (de Riba Douro), Sousas (da Maia), Nuno Soares (de Grijó) e a família de Pero Gonçalves (do Marnel), famílias com vastas propriedades, quer no Alto Minho e Lamego, quer na Terra de Santa Maria, viram-se confrontadas com a ameaça de perderem cargos, prestígio e bens, em função de uma campanha, primeiro subtil e depois frontal, orquestrada do exterior.
Destas famílias tiveram destaque dois nomes: Ermígio Moniz e Pero Gonçalves do Marnel.
O primeiro era alcaide do castelo de Neiva ao tempo da revolta, mas antes tinha sido afastado do governo da Terra de Santa Maria e de alcaide do castelo. Era figura muito próxima do infante D. Afonso Henriques e irmão do célebre Egas Moniz, que também tinha sido afastado da Terra de Lamego. O segundo, Pero G. de Marnel, tinha sido substituído no governo de Coimbra pelo próprio Fernão Peres de Trava, e ao tempo da revolta (1127/1128) era governador da Terra de Santa Maria e alcaide do castelo. Fernão Peres de Trava passava assim a ocupar o governo de dois polos fundamentais do Condado Portucalense – o de Portucale e o de Coimbra.
A este movimento de revolta esteve ligado o infante D. Afonso Henriques, que também não via com bons olhos a situação e começava a temer o futuro que lhe estava a ser reservado.
Foi neste espaço geográfico delimitado por acidentes naturais muito fortes, que se desenvolveu um espaço económico muito importante, vivendo numa grande complementaridade de subsistência: as serranias davam-lhe a caça, a pastorícia e abundância de madeira. Os rios que a atravessavam e a extensa orla marítima, asseguravam-lhe a pesca. Nas planícies que se estendiam de leste para o mar era o cultivo de cereais e do vinho. Uma próspera zona de extração de sal garantia este elemento indispensável à conservação dos alimentos. A par disto, uma notável rede viária assegurava um comércio intenso num local de passagem obrigatório entre Coimbra e o Porto. Junto ao Castelo, a realização de grandes feiras comerciais acabou por dar o nome à povoação: Feira (já em 1117).
 Era um espaço militar muito forte apoiado numa organização militar permanente para defesa contra as incursões árabes e também um espaço cultural servido por dezenas de cenóbios e pelos grandes mosteiros de Grijó e de Pedroso, institutos religiosos que davam àquelas gentes, para além de um esquema de valores cristãos, a possibilidade de funcionarem como centros administrativos para a redação de documentos. Tudo isto, acabou por gerar um clima de "autossuficiência de vida" e "uma identidade peculiar", de que algumas linhas mestras perduram até aos nossos dias.
Esta pujança da sua vida económica, o poderio da sua força militar organizada e o estímulo do sentimento de independência, acabaram por desempenhar um papel decisivo na formação e consolidação da nacionalidade portuguesa com o levantamento coletivo que teve o seu epílogo na batalha de S. Mamede, em 1128. Os homens de Santa Maria avançaram para Guimarães – então capital de poder político – onde o infante D. Afonso já se encontrava a mobilizar as gentes daqueles sítios. Para lá se dirigiu, a norte do Douro e a partir do castelo de Neiva Ermígio Moniz.
Em socorro de Guimarães partiu Fernão Peres de Trava com as suas tropas, reforçado com as tropas galegas que se lhe juntaram no castelo de Lanhoso.
As forças em confronto defrontaram-se a 13 (ou 24?) de junho de 1128, saindo as forças portuguesas vencedoras. Esta batalha foi um marco indiscutível da nossa história, na sequência de um movimento independentista coletivo, abrangendo uma grande área de condado, quer a norte, quer a sul do Douro. Foi a tentativa galega de extinguir rapidamente este movimento latente, que acabou por precipitar a mesma independência. A grande importância que tiveram neste movimento militar as duas personagens fortemente ligadas à Terra e ao Castelo de Santa Maria: Pero Gonçalves de Marnel e Ermígio Moniz, é evidenciada por Alexandre Herculano (História de Portugal, 8ª edição, tomo II, livro I e II, 1ª parte, pág. 265-BNP) quando refere a carta de couto de S. Vicente de Fragoso, dado pelo infante (D. Afonso) a 4 de dezembro de 1127, “Há nele a circunstância de figurar entre os confirmantes Ermígio Moniz, o célebre conde ou senhor da terra da Feira e o personagem talvez mais influente na revolução do ano seguinte.”
A Terra de Santa Maria pode ser considerada como uma região que, no caso de ter estabelecido uma ligação preferencial a Coimbra, teoricamente teria inviabilizado a construção de um novo Reino. Associando-se a Portucale e garantindo o seu prolongamento em direção à mesma cidade de Coimbra, acabou por constituir o elo de ligação com ela. Por isto, bem pode dizer-se que a Terra de Santa Maria é a TERRA MÃE DE PORTUGAL.
É a partir daqui que Afonso Henriques se intitula rei de Portugal, vindo a sua independência a ser confirmada mais tarde pelos reis de Espanha e pelo papa.
Há, com data de 1 de junho de 1212, foral velho de D. Afonso II, que dá a Canedo (atual freguesia do concelho) o título de vila.
D. Afonso III concedeu foral à Feira em 1270, e D. Manuel I lhe deu novo foral a 10 de fevereiro de 1514. Este foral abrangia não só a vila, mas diversas povoações, e o seu título é: Foral das Terras de Santa Maria.
Sobre o castelo da Feira consta também que D. Dinis o doou à rainha Santa Isabel. As desavenças entre o rei D. Dinis e o infante herdeiro D. Afonso, aquando da sua revolta por causa do coirmão Afonso Sanches, levaram a que D. Afonso, entre outros, tomasse o castelo da Feira em 1322, sendo na altura alcaide-mor Gonçalo Rodrigues de Freitas. Com a intervenção da rainha-mãe, estas desavenças entre pai e filho foram sanadas com o juramento de lealdade do infante perante a mãe e muitos fidalgos, em Pombal, e depois, em maio de 1323, em Leiria, D. Dinis jurou aceitar as condições do juramento anteriormente feito. No Portugal Antigo e Moderno, Volume Segundo, pág. 236, o autor afirma que estas desavenças foram sanadas em Santarém, a 25 de fevereiro de 1325.
D. Fernando I fez mercê da Terra de Santa Maria ao irmão de D. Leonor de Teles, o conde de Barcelos, D. Afonso Tello. Após a morte de D. Fernando, este apoderou-se do castelo mas foi vencido por D. Gonçalo Coutinho, que se encontrava ao serviço do mestre de Avis. Mais tarde o mestre de Avis, já D. João I, rei de Portugal, fez mercê do castelo ao seu camareiro-mor João Rodrigues de Sá, depois confirmada a seu filho Fernão de Sá, por D. Duarte. Como Afonso Tello estava por Castela, D. João I doou todas as terras que lhe pertenciam (Terra de Santa Maria), a Fernão Pereira. Assim, na altura da doação, o domínio do castelo ficou separado do domínio das terras de Santa Maria. A posse do castelo era mais honorífica que de proveito e, por isso, a família Sá se foi desinteressando dele, deixando-o chegar a um estado de abandono. Perante isto Fernão Pereira terá instado D. Afonso V no sentido de o recuperar à sua própria custa, o que foi feito.
À criação do Condado da Feira foi atribuída a data de 14 de janeiro de 1452, por D. Afonso V, mas ao que parece tal não terá sido assim, pois Rui Pereira, depois D. Rodrigo Pereira 1º conde da Feira, teria então entre 21 e 24 anos, sendo ainda menor e estando ainda vivo seu pai, Fernão Pereira, senhor da Terra de Santa Maria. Não se encontra o registo da atribuição deste título, mas há uma primeira referência ao conde D. Rodrigo Pereira no alvará de 16 de maio de 1481, ainda em vida de D. Afonso V, alvará registado na Chancelaria de D. João II, livro 3º, folhas 43 v.
Uma outra versão nos diz que D. Afonso V entregou, em 1448, o castelo da Feira a Fernão Pereira, com a incumbência de o restaurar, sendo dessa época a imagem arquitetónica que apresenta hoje, e cerca de 24 anos depois, em 12 de janeiro de 1472, nomeou a Rui Pereira (depois D. Rodrigo Pereira) como 1º conde da Feira e senhor da Terra de Santa Maria. Ficam aqui estas duas versões até que as dúvidas se esclareçam.
A família dos Pereiras era o ramo primogénito do conde Mem Guterres, de sangue godo, e foram donatários da Feira. O castelo conservou-se na posse da família até ao falecimento do oitavo e último conde, pois este não deixou sucessão. D. Pedro II integrou-o nos bens da Casa do Infantado com as suas terras anexas, os quais, a seguir ao triunfo da monarquia liberal, foram vendidos em hasta pública (1837). A partir daqui entrou o castelo num período de abandono. Mais tarde, em 1881, foi classificado como monumento nacional.
Apesar de tudo, durante o período em que esteve votado ao abandono pelas autoridades, foi recebendo algumas benfeitorias de privados que se interessaram pela sua conservação, evitando-se a sua ruina completa.
Foram condes da Feira:
1º Conde – Rui Pereira – D. Rodrigo Pereira (1428-31†1486): 2º Conde – D. Diogo Pereira (1457-61 † 17/7/1509); 3º Conde – D. Manuel Pereira (1488 † 4/10/1552); 4º Conde – D. Diogo Forjaz Pereira (1514 † 26/11/1578); 5º Conde – D. João Forjaz Pereira (1563? † 15/5/1608); 6ºs Condes – D. Joana Forjaz Pereira de Meneses e Silva (1607 † ?) D. Manuel Forjaz Pereira Pimentel (? † ?/6/1647); 7º Conde – D. João Forjaz Pereira Pimentel (1628 † 4/6/1660); 8º Conde – D. Fernando Forjaz Pereira Pimentel (1629 † 15/1/1700).
O condado da Feira era um dos maiores e melhores de Portugal, dado que abrangia toda a Terra de Santa Maria, já então chamado vulgarmente Terra da Feira, embora oficialmente fosse, até 1834, Terra de Santa Maria.
A comarca da Feira chegou a ser uma das maiores do país. Uma parte pertenceu à correição de Barcelos e a outra parte à de Esgueira, passando depois toda para esta última, e mais tarde para a de Aveiro, pela transferência de corregedoria de Esgueira para Aveiro. Por fim formou uma corregedoria própria.
No recenseamento geral da população portuguesa, ordenado por D. João III, em 1527, a Vila da Feira com o seu termo pertencia à Comarca (hoje dir-se-ia Província) da Estremadura, e não da Beira.
Em 1834, a comarca de Feira tinha noventa e seis freguesias, algumas delas com mais de mil fogos. As comarcas de Oliveira de Azeméis, Estarreja e Ovar, foram formadas exclusivamente com freguesias da comarca da Feira, e Arouca absorveu as freguesias de S. Miguel do Mato, Fermedo, Escariz a Mançores.
A 7 de agosto de 1834, travou-se a batalha de Souto Redondo, no lugar do mesmo nome, no sítio denominado Airas, S. João de Ver, Feira, já nos finais das Guerras Liberais. Batalha travada entre as tropas liberais afetas a D. Pedro IV e as forças absolutistas de seu irmão D. Miguel. Nesta batalha o exército absolutista, comandado pelo general Póvoas, desbaratou completamente as tropas liberais, comandadas pelo conde e marquês de Vila Flor, mais tarde duque da Terceira, o general António José de Sousa Manuel de Meneses Severim de Noronha. Mas como perder uma batalha, não significa perder a guerra, esta Guerra Civil Portuguesa, que durou de 1828 a 1834, travada entre constitucionalistas e absolutistas sobre a sucessão real, terminou com a vitória dos constitucionais liderados pela rainha D. Maria II, com o apoio de seu pai D. Pedro.
Em Santa Maria da Feira esteve instalado, até 1834, o quartel do Batalhão de Caçadores nº 11, cujas tropas combateram nesta batalha ao lado das tropas miguelistas, para além de um regimento de milícias, capitão-mor, uma companhia de ordenanças, na vila, e mais sete no concelho.
Celebra-se em Santa Maria de Feira, a 20 de janeiro, a festa de S. Sebastião, também designada, festa das fogaças ou fogaceiras. Fogaças é uma espécie de pão doce e fogaceiras as meninas que os transportam.
Esta festa foi instituída por ocasião de uma peste que assolou todo o país, em 1500. Provavelmente foi a câmara e o povo que principiaram esta festa, como prece ao santo pela cura desta moléstia, porém, dizem também que foram os alcaides-mores que deram início a esta celebração. No entanto é tradição que foi intenção dos condes da Feira e que a peste cessou no dia em que se fez a festa, passando esta a ser realizada anualmente até hoje.
---/!\---
O concelho de Santa Maria da Feira é um território economicamente muito dinâmico e de elevada densidade populacional, superior à média nacional e às regiões Norte e Centro, por virtude de um elevado grau de industrialização e proximidade à área do Grande Porto. Situa-se a sul da Área Metropolitana do Porto e na confluência de um importante conjunto de vias de comunicação, que garantem proximidade aos centros urbanos do Porto, Aveiro e Coimbra. Anteriormente Vila da Feira, com a sua elevação a cidade, em 14 de agosto de 1985, passou designar-se Santa Maria da Feira.
Pelo Censos da População de 2011, o concelho, com uma área de 213,45Km2, tinha 138.312 habitantes, sendo 18.194 os habitantes na cidade sede do concelho (União de Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo).
Para além da sede, o concelho inclui mais duas cidades: Fiães e Lourosa; 12 vilas: Argoncilhe, Arrifana, Canedo, S. Tiago de Lobão, Mozelos, Nogueira da Regedoura, Paços de Brandão, Rio Meão, Santa Maria de Lamas, S. Paio de Oleiros e Souto.
O concelho de Santa Maria da Feira engloba um total de 21 freguesias: Argoncilhe; Arrifana; Escapães; Fiães; Fornos; Lourosa; Milheirós de Poiares; Mozelos; Nogueira da Regedoura; Paços de Brandão; Rio Meão; Romariz; Sanguedo; Santa Maria de Lamas; S. João de Ver; S. Paio de Oleiros; União de Freguesia de Caldas de S. Jorge e Pigeiros; União de Freguesias de Canedo, Vale e Vila Maior; União de Freguesias de Lobão, Gião Louredo e Guisande; União de Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo; União de Freguesias de S. Miguel de Souto e Mosteirô.
O maior centro mundial de transformação de cortiça e a maior concentração nacional da indústria do calçado, encontram-se no concelho de Santa Maria da Feira, destacando-se também nas indústrias de metalomecânica, metalurgia, papel, cerâmica, lacticínios, puericultura, brinquedos e equipamentos para crianças.
Em termos turísticos, há em Santa Maria da Feira importantes motivos de natureza monumental e paisagística: destaque para o seu Castelo, exemplar da arquitetura medieval; as Termas das Caldas de S. Jorge, uma das melhores estâncias termais do país; o Museu Convento dos Loios; o Museu do Papel de Santa Maria e o Castro de Romariz.
Destaque especial para o complexo do Europarque e Visionarium, o Museu de Santa Maria de Lamas e Parque Ornitológico de Lourosa – Zoo de Lourosa, que reúne fauna proveniente dos cinco continentes e muitas espécies raras em vias de extinção, devidamente integradas no seu habitat natural.
Passa também este concelho pela forte aposta em atividades de interesse turístico-cultural: são exemplos a Festa das Fogaceiras, o Imaginárius – Festival Internacional de Teatro de Rua, com destaque espacial para a Viagem Medieval em Terra de Santa Maria, na qual se recriam espaços e episódios históricos da época.
Ordenação heráldica do brasão e bandeira:
Armas - Escudo de azul, castelo de prata lavrado de negro, aberto e iluminado de vermelho, quadrado, em perspetiva, com os ângulos exteriores formados por quatro torreões cobertos de cinco cones, sendo o maior o do centro. O centro do castelo é encimado por nuvens de prata, realçadas de azul, que sustêm uma imagem de Nossa Senhora com o Menino ao colo, vestida de vermelho, com manto de azul e resplendor de ouro. Coroa mural de cinco torres de prata. Listel branco com a legenda de negro: " SANTA MARIA DA FEIRA ".
Estandarte - Esquartelado de branco e vermelho, cordões e borlas de prata e vermelho. Haste e lança de ouro.
M.S.

Referências:
Leal, Pinho – Portugal Antigo e Moderno – Volume Terceiro, págs. 153 a 158.
Costa, P.de António Carvalho da – Corografia Portuguesa, Tomo II, págs. 164 a 174.
http://ww3.aeje.pt/avcultur/Avcultur/ArkivDtA/Vol04/Vol04p141.htm
http://fortalezas.org/index.php?ct=fortaleza&id_fortaleza=1140
http://ww3.aeje.pt/avcultur/Avcultur/ArkivDtA/Vol19/Vol19p081.htm
http://ww3.aeje.pt/avcultur/Avcultur/ArkivDtA/Vol19/Vol19p095.htm
http://ww3.aeje.pt/avcultur/avcultur/Aveidistrito/Boletim31/Page55.htm
http://www.castelodafeira.com/Castelo.asp
http://ww3.aeje.pt/avcultur/avcultur/Aveidistrito/Boletim09/Page41.htm
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/73936

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Mário Lobo (1912/1937)

Desaparecido nas inundações que assolaram os lugares de Agualva e Cacém
O desaparecimento, a 20 de novembro de 1937, de Mário Lobo da Conceição, com 25 anos de idade, bombeiro de 3ª classe dos Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém (BVAC), encerra na sua singularidade, uma das mais insólitas mortes ao serviço dos bombeiros portugueses.
Supostamente arrastado pela fúria das águas (o seu corpo nunca foi encontrado) quando se julga que tentava prestar socorro às vítimas das inundações que naquela data atingiram ambos os lugares das margens da ribeira da Agualva, o infeliz Mário Lobo acabou por ser vítima da sua abnegação. Diz-se supostamente, uma vez que nem bombeiros nem populares testemunharam o acidente, sendo por isso difícil determinar objetivamente as condições do seu desaparecimento. Porém os testemunhos divulgados pela imprensa da época parecem fazer sentido, sustentando até hoje a única versão existente sobre a morte de Mário Lobo.
Na noite do temporal, segundo a informação publicada no “Diário de Notícias do dia 23, Leonel Baptista, um miúdo de 12 anos, terá visto um vulto na cheia, chamando a atenção do seu avô para o facto. Na edição do dia 25, o mesmo jornal refere:
Continua sendo assunto de todas as conversas o desaparecimento do bombeiro voluntário desta localidade, Mário Lobo, que as águas turvas e traiçoeiras tragaram quando procurava servir uma causa que há seis anos se dedicava. Corre agora uma nova versão que é a que mais se aproxima da forma como se teria dado o desastre.
O infeliz Mário Lobo não quis regressar ao quartel no ‘pronto-socorro’ e teria to­mado a rua António Nunes Sequeira, por ser o trajecto mais próximo da sua casa. Mas, ao atingir o cruzamento desta com a rua da Ponte Nova, ouvira os gritos de so­corro que partiam da casa de Manuel Pei­xinho, que estava a ser invadida pela água do rio.
O destemido bombeiro ter-se-ia desviado, para aquele local, a fim de ali prestar os socorros, tentando atravessar a ponte que o separava da casa, sendo então arrebatado pela corrente, que era fortíssima. Supõe-se ainda que nesse momento se tivesse apa­gado a iluminação pública.
Chegou-se a esta conclusão por declarações da Sr.ª D. Carinte Pombo, que da sua janela viu um vulto de capa vestida tomar esta direção. Quando foi dado o sinal de alarme, o desaparecido estava a trabalhar em casa do Sr. António Paula Lopes. Cor­rendo ao quartel, tomou uma viatura, não chegando a ir a casa fardar-se para se não demorar. Foi, depois de cinco horas de ár­duo trabalho, quando ia alimentar-se para refazer as forças, a fim de voltar a trabalhar pelo bem alheio, que encontrou a morte.
Da edição do “Diário de Lisboa” do dia 21, da notícia referente ao temporal em Lisboa e arredores, foi digitalizada parcialmente a parte das notícias referentes a Agualva-Cacém, onde se assinala o desaparecimento de Mário Lobo, mas identificado como Manuel Lobo:

Reproduz-se aqui (Arquivo dos Bombeiros Voluntários de Agualva – Cacém) o testemunho do saudoso Comandante Artur Lage, lido ano após ano, durante as comemorações de aniversário da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Agualva Cacém, junto ao monumento erguido em memória do abnegado Mário Lobo e perante o corpo de Bombeiros.
“20 de Novembro de 1937
O dia surge chovendo copiosamente, com o céu carregado de nuvens ameaçadoras. Tal ameaça, confirma-se, porque pouco depois a chuva torna-se torrencial, acompanhada de violenta trovoada que se manteria por todo o dia.
Ás 11 horas aproximadamente, regista-se a primeira chamada para inundações que se verificavam no Bairro Serpa Rosa, situado junto ao túnel de passagem inferior à linha férrea, abrangendo o local onde hoje se encontra o posto, dos serviços Médico – Sociais, a Cervejaria Marisqueira do Túnel, etc. Saiu do Quartel o Pronto Socorro, único existente, de cuja guarnição eu e o Mário Lobo, fazíamos parte além de outros, sendo comandados pelo chefe Gomes Fragoso.
No local existia uma vivenda grande, sendo as restantes habitações casas baixas. Começamos por desobstruir uma regueira existente, a fim de que ela recebesse as águas que inundavam as habitações. Trabalho em vão, porque pouco tempo depois os dois rios existentes e que se juntam no Cacém de Baixo, passando a Ribeira das Jardas, galgavam as suas margens, a ponte não dava vazão, era destruída e dava-se a enorme cheia.
A rua principal do Cacém tinha configuração diferente da atual. Um muro alto era a vedação de uma quinta, ladeava a estrada desde o rio à Casa Ferreira, não existindo os atuais prédios do Café Central, Capri, Farmácia etc. esta rua transformou-se num rio com violento caudal que nos obrigava a andarmos amarrados com espias para não sermos arrastados. Agora os nossos socorros limitavam-se a retirar pessoas para andares superiores e outros lugares que oferecessem segurança. Nada mais se podia fazer face á violência da cheia.
Entretanto a chuva diminuiu de intensidade, as águas baixaram de nível e passamos a prestar assistência às casas inundadas. Móveis e outros utensílios, roupas e calçado, haviam saído pelas janelas e portas arrombadas pela violência das águas. Os prédios mais antigos foram o edifício onde hoje está a Junta de Freguesia, a central dos telefones ao seu lado e uma casa de pasto mais adiante. Fez-se tudo o que era possível relativamente ao apoio aos seus proprietários.
Tudo mais calmo, já de noite, porque o pessoal se encontrava esgotado, o Chefe Fragoso, deu ordem para voltarmos ao Quartel, a fim de nos alimentarmos e mudarmos de roupa. A Corporação era jovem e pobre e nós não disponhamos de equipamento de proteção. Vestíamos apenas fato-macaco e calçado normal. Alguns que possuíam casaco impermeável, era de sua propriedade.
Quando a viatura no seu trajeto passava próximo da casa dos pais de Mário Lobo, este pediu ao Chefe para ficar ali por ser mais próximo do que indo ao Quartel. Devidamente autorizado, desceu e nós continuámos, mas ainda no percurso, a tempestade aumentava de intensidade e quando chegámos ao Quartel as solicitações eram muitas, constando entre elas o pedido para umas casas existentes na margem norte do rio que atravessava Agualva, nas proximidades da hoje atual Rua Mário Lobo e onde os habitantes em altos gritos pediam socorro. Para ali seguira já pessoal a pé dada a proximidade prestando os devidos socorros e a viatura seguiu novamente para o Cacém de Baixo. É neste momento que segundo averiguações, tudo indica que a tragédia se consumou.
Mário Lobo que passava junto à margem oposta de onde se ouviam os gritos de socorro, tentaria atravessar o rio por uma rudimentar ponte sem amparos que ali existia, e que ele muito bem conhecia, o que contribuiu para que se aventurasse, e fosse arrastado pela violência da corrente que além da água, incluía os mais diversos objetos, alguns dos quais de grande porte.
Porém, só tivemos conhecimento da sua falta, quando seu pai João Lobo, me procurou em casa, já eu descansava perguntando-me pelo filho, porque não regressará à sua residência.
Surpresa e preocupação!
Estabelecemos contactos e de facto ninguém tinha visto Mário Lobo, na Segunda presença na cheia.
Imediatamente ao alarme dado por seu pai, fizeram-se durante o resto da noite, diligências para saber do seu paradeiro, inclusivamente nos locais onde havíamos atuado. Logo que amanheceu efetuaram-se pesquisas ao longo do rio, tendo sido encontrado o seu casaco impermeável preso numa grande raiz de uma árvore que se encontrava no leito do rio, um pouco abaixo da Tinturaria Cambournac .O casaco encontrava-se preso à árvore pela aba e tinha as mangas voltadas do avesso, o que para nós significava que o corpo de Mário Lobo passara naquele local e que o casaco ao ficar preso, se lhe despira, continuando o corpo o curso. Não restavam dúvidas.
Mário Lobo fora tragado pelas águas revoltas da cheia e a tristeza invadia-nos.
Seguiram-se dias de angústia. No dia 1 de Dezembro seguinte, já convencidos de que Mário Lobo perdera a Vida, mas na esperança de reaver o seu corpo para que lhe fossem prestadas as devidas homenagens, foram efetuadas pesquisas em profundidade, com a participação de Corporações congéneres, ao longo de toda a Ribeira das Jardas, extensiva às ruas margens, lagoas e desmuramentos, etc, etc, até Caxias, local onde desagua no rio Tejo, sem resultados positivos. Apenas foi encontrado o seu cinturão de cabedal, partido e preso a uns silvados em local do rio quando passava na Fábrica da Pólvora, em Barcarena.
Mário Lobo desaparecera para sempre!”
As obras de melhoramento, nomeadamente nas margens da ribeira das Jardas, projeto «Pólis Agualva-Cacém 2001/2009», modificaram toda aquela área e vários edifícios aí implantados já não existem.
Nos anos 60, o nome do bombeiro Mário Lobo passou a figurar na toponímia da cidade de Agualva-Cacém, numa rua situada nas imediações da presumível tragédia.

Ana Paula Nunes
Fontes:
http://bombeirosdeportugal.pt/Memoria/mario-lobo-nome-de-um-heroi-obscuro=150
http://bombeirosdeagualvacacem.blogspot.com/2011/11/desaparecido-nas-inundacoes-de-20-de.html

terça-feira, 7 de maio de 2019

Elucidário de Palavras Antigas – (T-U-V-W-X-Z)

Em jeito de dicionário, este Elucidário de Palavras Antigas pretende dar uma modesta ajuda na compreensão das obras dos cronistas da nossa História, onde se encontram palavras que andam hoje fora do uso comum, e mesmo algumas já nem se encontram nos dicionários atuais.

Este trabalho foi desenvolvido a pensar nas obras dos nossos autores mais antigos, pelo que nas palavras abaixo descritas procura-se apenas referenciar o seu significado nesse contexto histórico, pois em muitos outros casos e em outros contextos, as mesmas palavras podem ter significados diferentes.

T
Tabaliadego – Ofício de tabelião.
Tabardo – Antigo capote de mangas e capuz. Veste medieval, semelhante a uma túnica sem mangas, usada sobre outras peças. Hábito usado pelos donatos da ordem dos carmelitas.
Tabaréu | Tabaréo – Soldado mal exercitado, inexperiente; soldado bisonho; soldado de ordenança. Homem acanhado, tímido.
Taboas – Quaisquer escrituras e em qualquer material exaradas.
Tabola – Peça de osso ou marfim, que se usa para jogar o gamão, as damas, etc.
Taboleta – Mostrador onde, nas lojas, estão as peças já feitas para se verem (de tabola).
Taifa – Conjunto de soldados e marinheiros que combatiam na tolda do navio e no castelo da proa ou guarneciam estes pontos. História: Nome dado aos reinos muçulmanos criados na Península Ibérica, após a dissolução da Califado de Córdova.
Talante | Talente | Talan – Vontade, desejo, arbítrio, a seu bel-prazer.
Talapão – Monge budista da Birmânia e de Sião.
Talar – Sulcar (um campo) para o escoar; devastar; destruir. (do castelhano talar, «idem»).
Talentoso – Alegre; satisfeito; contente; desejoso.
Tam – Tão.
Tanadar | Tanadaria – Oficial que na Índia recebia as rendas da gancaria. Território da jurisdição do Tanadar.
Tanor, reino de – Tem por capital o porto de Tanur. Coordenadas: 10º58’N, 75º51’E.
Taracena | Tarecena | Tercena | Tarracena – Armazém; arsenal em que se construíam e guardavam os armamentos navais e tudo o que era pertença da marinha.
Tartana – Pequena embarcação do Mediterrâneo, de forma alongada, com um mastro e vela latina; carroça coberta de toldo em arco e aberto nos dois topos.
Taumaturgia – Poder ou obra de taumaturgo. Taumaturgo: que ou aquele que opera milagres.
Tavoa – Tábua.
Tavolagem | Tabulagem – Dar; ter casa de jogo de tabolas, dados ou cartas; casa de jogo; vício de jogar.
– Até.
Tea de justas – Era o círculo, ou cerco, aliás liça, ou liçada dentro da qual se faziam as justas e torneios; as coisas postas em ordem.
Teedor | Tédor – O que atualmente tem, e possui; ocupa; peja; dá estorvo; senhor; possuidor. Teedor das estradas e caminhos: ladrão público, que à mão armada e violentamente, ocupa, tem e embarga estes lugares, roubando os passageiros.
Tégula – Telha; (encontrada em escavações arqueológicas).
Teiró – Parte da fecharia dalgumas armas de fogo.
Teito – Teto.
Tenalha – Pequena construção de duas faces nas fortalezas, com um ângulo reentrante para o lado exterior; a tenalha doble, ou flanqueada, tem na frente quatro faces, que se flanqueiam reciprocamente cada duas, e formam dois ângulos reentrantes e três salientes.
Tendilhão – Tenda; barraca; tenda de campanha; pavilhão.
Tenência – O cargo de tenente, do que tem algum posto por outrem. Cargo, residência ou repartição de tenente; posse; domínio.
Tenens | Maiorino – Juiz supremo do rei, até ao século XIV. Em Portugal havia desde o princípio da monarquia tantos maiorinos, ou meirinhos mores, quantas eram as comarcas ou províncias em que ela se dividia. O seu ofício se exprimia pela palavra Tenens, que vem do latim teneutentum.
Terçado – Espada curta, curva e larga. Diz-se do pão feito de três qualidades de farinha, em partes iguais.
Terçaria – Depósito; reféns; segurança de contrato; certo direito de uma terça parte; intercessão; mediação; caução.
Tercena | Tarracena | Tarecena | Terecena – Armazém; arsenal em que se construíam e guardavam os armamentos navais e tudo o que era pertença da marinha.
Tercer – O mesmo que terceiro.
Terrada – Pequeno navio de guerra asiático. (Do árabe terrad)
Terrádego – Imposto que se paga pela ocupação de um terreno, em que se faz barraca de feira, ou se expõem quaisquer produtos à venda. Terreno ocupado para esse fim. O que se pagava de renda pela posse e cultura de terra alheia. Laudémio de quarentena.
Terranquim – Uma espécie de embarcação da Índia.
Teso – Alto do monte difícil de subir; monte alcantilado, o ingreme; cimo do monte; suster um negócio com firmeza, sem afrouxar.
Tetor – O mesmo que tutor.
Teúdo – Obrigado, constrangido.
Tigello | Tigelo – Vara que se empregava em certos jogos; tijolo.
TimbreHeráldica. Insígnia que se põe sobre o escudo d’armas, para distinguir os graus de nobreza. Insígnia, marca. Divisa. Divisa honrosa. Selo. Carimbo.
Tiorba – Instrumento de cordas, semelhante ao alaúde, muito usado entre os séculos XVI e XVII, distinguindo-se pelos seus dois braços ou cravelhais.
Tiro de besta – Distância de 200 metros.
Tisso – Tecido leve e ralo.
Titor – Pop. e ant. O mês mo que tutor.
Tiufadia – Designação de uma legião de mil soldados entre os Godos.
Toa – Corda de rebocar; sirga.
Tomadia – Presa, roubo, despojo, que se faz à força e com armas; ato de tomar conquistando, fazendo apreensão; coisa apreendida.
Tomar língua – Tomar informações.
Tombo – Inventário autêntico dos bens e terras de alguém com suas confrontações, rendas, direitos, encargos, demarcações, etc.
Tone – O mesmo que almadia; sorte de embarcação Asiática.
Toneletes – Toneletes das armaduras ou peitos das armas: são como fralda, ou fraldão, ou peças que descem da cintura, talvez até aos joelhos, como pernas separadas umas das outras. (do francês tonnelle, ou tonnellet)
Tornaises – Torneses. [torneses de prata do Sr. D. Pedro valeriam na moeda d’agora 40 reis (Elucidário)].
TosteAntiquado: Breve; rápido; depressa. Logo sem demora, ligeira e apressadamente.
Toura | Tourá – O Pentateuco hebraico sobre o qual se tomava juramento aos judeus tolerados no reino.
Trabuco – Antiga máquina de guerra com que se expediam pedras contra praças; espécie de bacamarte.
Trager – Forma antiga de trazer.
Trager mal – Maltratar.
Tragimentos – Parece que do verbo antigo trager se disse tragimentos sendo certo que os procuradores dos povos levavam às Cortes todas as maldades e desordens que precisavam de correção e emenda. E estes eram os maus tragimentos ou as maldades trazidas e dadas em apontamentos ou capítulos a el-rei.
Trama – Chaga; íngua; postema; mal contagioso; doença de peste; mal endémico.
Trance – Angústia; aperto; aflição; adversidade; pressa na guerra e fação ariscada; combater-se a todo o trance: até à morte, aos extremos da vida (frase da cavalaria andante).
Tranqueira – Cerca de madeira, estacada, paliçada para fortificar e fazer defensável um posto, ou para corro, estacada.
Tranquibérnia - Popular: confusão; desordem; misturada; trapalhada; negócio de má-fé; falcatrua; trapaça; burla; tramoia; fraude.
Transtagano – De além (ao sul) do rio Tejo. Do latim trans-, «além de» +Tagu-, «Tejo» +-ano
Trauto – Um bom espaço de caminho; um terço de légua; avença; contrato.
Travanca – Empecilho; embaraço; obstáculo.
Través – Baluarte feito de sorte, que do lado do ângulo pudesse defender o outro lado do ângulo seguinte, e talvez paralelo.
Travou dele – Agarrou-o.
Trebelhar – Trabalhar; jogar; brincar; divertir-se; saltar; bailar.
Treçó – O macho de uma espécie de ave de rapina; última ave ou a mais inferior de uma ninhada de falcões ou açores.
Tredor | Tredo – Traidor; traiçoeiro; falso.
Tremeter – Atrever; entremeter-se.
Trena – Fita, ou tecido semelhante de seda, ou fio d'oiro.
Trepeça | Trepeço – Roda de madeira cravada sobre três peças que serve de assento aos sapateiros e outros mecânicos; tripeça.
Trespasso – Dilação; demora.
Tresvariar – Delirar; dizer disparates por ter o cérebro mal ordenado.
Treu – Pano das velas do navio.
Triaga | Theriaga – Substância muito amarga; mezinha; panaceia; recurso; auxílio.
Tribolo | Turíbulo – Objeto de culto no qual se queima o incenso; incensório.
Trigança – Afã, azafama.
Trigar-se – Apressar-se; azafamar-se; atrigar-se; envencilhar-se; emaranhar-se.
Tríglifo – Ornato arquitetónico num friso de ordem dórica, constando de três sulcos verticais.
Trigosamente – Rapidamente.
Trigoso – Apressado.
Trintairo – O mesmo que trintário; exéquias do trigésimo dia do falecimento.
Tripeiro – Vendedor de tripas; natural ou habitante do Porto. História: D. João I, com um luzido exército e uma grande armada, atravessa o Atlântico e conquista Ceuta. Esta armada saiu do Porto sob o comando do Infante D. Henrique. Os habitantes do Porto, para que a armada fosse abundantemente provida de víveres de boa qualidade, enviaram para bordo toda a carne escolhida, reservando, para se sustentarem, somente as entranhas, cabeças e miúdos das rezes. Foi desta circunstância que aos portuenses se pôs a alcunha de tripeiros; poucos terão uma origem tão patriótica e gloriosa. (Leal, Pinho; Portugal Antigo e Moderno, vol. 7º, pág. 292).
Tripó – Tripeça, com a diferença de ter assento de sola e os três pés unidos em um eixo.
Triumvir | Triúnviro – Magistrado membro de alguma junta, entre os Romanos, que constava de três juízes; membro de um triunvirato.
Trocer – Torcer.
Trom – Trovão - bombarda, canhão, ou seu som. Estrondo do canhão; nome dado às primeiras peças de artilharia; espécie de catapulta; grande ruído; estrondo; fragor para arremessar pedras. De origem onomatopeica (que imita o som daquilo que significa).
Trosquiar | Trusquiar – Tosquiar.
Trotão – Cavalo que anda a trote, corredor ligeiro.
Troufer | trouver – Usar, trazer.
Truão (bobo) – Pessoa que diverte as outras; palhaço. Do provençal truan, «idem».
Tumba – Espécie de maca onde se conduzem cadáveres à sepultura; esquife. Lápide sepulcral. Sepultura; sepulcro; túmulo.
Tuna – Vida de vadio; ociosidade. Andar à tuna, isto é, vagamundeando e como tunante.
Turcol – Convento.
Turdetano – Relativo à Turdetânia, antiga designação da província espanhola que correspondia à parte ocidental da Andaluzia.
Turgimão | Trugimão – Intérprete; que leva recados; faraute.
Tutão – Antigo e principal dignatário na corte da China; governador de província, na Ásia.
U
Ũa – Uma. Variação feminina de um.
Ucasse | Ucace – Decreto outrora emanado do imperador da Rússia.
Ucha – O mesmo que hucha. Ficar à hucha, ficar sem nada, ficar a chuchar no dedo.
Uchão | Eichão | Ichão – Despenseiro; caixeiro; o que tinha à sua conta a ucharia real.
Ucharia | Hucharia – Depósito de géneros alimentícios. Despensa; ucha. Casa onde se guardam as viandas. Prov. Abundância, fartura: é muito rico, tem em casa uma hucharia de tudo o que é preciso.
Ufania – Qualidade de que é ufano; vanglória; vaidade; ostentação.
Ulemás – Sábios ou doutores de leis entre os árabes e turcos.
Ultramontanismo - Doutrina dos que, em França, defendiam a concentração de todos os poderes e atribuições da Igreja Católica na pessoa do papa e da Cúria Romana, deslocando, assim, para além dos montes (os Alpes), a sede total dos poderes eclesiásticos (em oposição ao galicanismo), e que preconizava ainda a permanência do poder temporal dos papas.
Umanidade | Umano – Humanidade; Humano.
Umbella | Umbela – Pequeno pálio redondo. Guarda-sol; sombrinha.
Urca – Antiga embarcação portuguesa, muito larga. Pop.: mulher gorda e feia.
Urco – Cavalo forte e corpulento, também conhecido por frisão.
Úrgico – O mesmo que urgente.
Usso – O mesmo que urso, como hoje se diz.

V

Vadear - Passar a vau. Vencer (uma dificuldade).
Vagamundo | Vagamão – Vagabundo. Que ou o que corre o mundo sem finalidade determinada.
Val – Vale: palavra latina de que usavam nas despedidas; a despedida.
Valencina | Valancina – Pano de lã fina que se fabricava no reino de Valência.
Valhacouto | Valhacoito | Velhacouto – Lugar seguro, forte, defensável. Asilo; refúgio; esconderijo; abrigo; proteção; pretexto; disfarce. Encobrimento de defeitos ou intenções. Expediente, meio de encobrir os seus intentos, propósitos.
Váli – Antigo nome dos governadores árabes, em território de Espanha. Do árabe uali, «senhor», pelo francês vali, «idem».
Valido – Que goza da estima e proteção de alguém; querido, estimado, prezado; aquele que tem o apoio ou proteção de alguém mais poderoso; protegido; favorito.
Vanzear | Banzear – Mover-se o mar vagarosamente em grandes massas; quando está vanzeiro ou banzeiro.
Vara – Antiga medida de comprimento, equivalente a onze centímetros. Vento rijo na costa do Coromandel. Pano de varas; antigo tecido de lã, de fabrico nacional, espécie de saragoça.
Varga – Armadilha para pesca, espécie de rede. O mesmo que várzea ou veiga; terra plana e que na força do inverno, pela maior parte, se cobre de água.
Vario – Leviano; não firme, não assentado; sem ponderação; inconstante; ligeiro; leve; leve de juízo.
Vaso (náutica) – Peças em que se sustinha o casco do navio; envasadura.
Vate – Indivíduo que faz vaticínios; profeta; poeta: Do latim vate-, «idem»
Vedro – Velho; antigo (Torres Vedras – Torres Velhas). Nos campos: valado; tapume; cômoro; sebe.
VeedorAntiq. Vedor, donde se formou Veador ou Viador; Proveedor ou Provedor; mordomo-mor da casa do rei ou dos príncipes; veedores da fazenda real: que tratavam da sua recadação, despesa, etc.; juiz a que se deu a comissão de ver, fiscalizar; juiz d'ofícios que avalia o bem ou mal feito das obras dos respetivos mesteres.
Veeiro | Vieira – Pele delicada e preciosa; forro de peles caras.
Vegada – Vez.
Veiga | Varga - Várzea; planície cultivada e fértil. Regionalismo: terra de cultura de centeio ou de milho serôdio.
Vela – Guarda.
Vendicada – Arrebatada; tirada por violência.
Vendidiço – Vendido falsamente, ou que se finge vendido.
Veniaga - Artigo vendível; mercadoria; traficância. Fig.: falcatrua, trapaça, tranquibérnia.
Ventagem – Vantagem por uso; vantagem de avante, dianteira, melhoria, superioridade, excesso, a respeito de outro, no lugar, posto, sítio.
Vento suão – Vento quente e abafado que sopra do sul.
VerguetaHeráldica: pala estreita, nos brasões e escudos, que tem apenas a terça parte da largura ordinária.
Vestaes | Vestais | Vestálias – Antigas festas romanas em honra da deusa Vesta.
Vestal – Sacerdotisa da deusa Vesta; sacerdotisa virgem dedicada ao culto de Vesta, na antiga Roma. Relativo ou semelhante às sacerdotisas de Vesta. Mulher casta ou virgem; formosa; donzela.
Vexilo | Vexillo – Estandarte; insígnia. Antiga bandeira dos exércitos romanos.
Vezado | Avesado – Acostumado; habituado; cada uma das vezes que se pratica ou sucede qualquer coisa.
Vêzo – Costume censurável ou vicioso; qualquer hábito ou costume.
Viandas – Mantimentos.
Viático – Dinheiro ou provisão para a jornada. O Sacramento Eucarístico que se administra ao moribundo.
Vicinal – Vizinho; adjacente; próximo. Designativo dos caminhos ou estradas que põem em comunicação povoações do mesmo concelho.
Vigário – Aquele que substitui alguém. Sacerdote que substitui o prelado da diocese (vigário-geral) ou que é seu delegado em certas povoações (vigário da vara). Título do pároco em algumas freguesias; coadjutor do pároco de uma freguesia.
Vilão – Aquele que não era de linhagem nobre; plebeu; rústico; grosseiro.
Villãamente – De modo vilão.
Villagem – Vila.
Villico | Vílico – Abegão; feitor; caseiro. Antigo regedor de pequena localidade que arrecadava os impostos e administrava a justiça.
Vilta – Injúria; sem razão; afronta; vitupério; tratamento vil e com desprezo.
Viltar – O mesmo que aviltar.
Vinhático – Madeira não muito dura, de cor amarelada, de boa qualidade para a fabrico de mobiliário.
Virote | Virotão – Seta curta, forte e grossa; peça que, nas antigas espadas, atravessava a parte superior dos copos.
Viso | Vizo – Vista; ares; aparências. O mesmo que vice.
Vitualha | Bitalha – Mantimentos; víveres; munições de boca; aguadas; refrescos (vitualhas).
Vitualha(s) – Mantimentos; víveres. Do latim tardio victualĭa, «idem».
Vivandeiro – Aquele que vende mantimentos nas feiras ou às tropas que acompanha.
Vizir | Wasir – Cada um dos principais oficiais do conselho, ou ministros do imperador (sultão) da Turquia. Ministro ou membro do supremo conselho do Emir. (Alexandre Herculano, tomo II)
Voda – Boda.
Voivoda – Designação dos antigos príncipes soberanos da Moldávia, Valáquia e de outros países. Cobrador de impostos. Designação atribuída a chefe militar ou administrativo em algumas regiões da Europa central e oriental. (do eslavo vaivod, pelo francês voïvode, «idem»)
Volataria | Volateria – Arte de caçar aves. Arte de caçar por meio de falcões ou outras aves; altanaria.
Voluta – Ornato espiralado muito utilizado no capitel da coluna jónica.

W
Wasir | Vizir – Cada um dos principais oficiais do conselho, ou ministros do imperador (sultão) da Turquia. Ministro ou membro do supremo conselho do Emir. (Alexandre Herculano, tomo II)
X
– Título do soberano da Pérsia.
Xabândar – Patrão de porto na Índia; no Guzarate o mesmo que cônsul de nação.
Xácara – Romance, seguidilha que se canta à viola, em som alegre. Narrativa popular em verso.
Xael (ou Xaer) – Costa do Iémen no golfo de Adén (Ash Shihr - 14º45'49"N, 49º36'16"E).
Xarel | Xairel - Cobertura da cavalgadura sobre que se põe o selim ou albarda. Vestido ou xaile de má qualidade ou em mau estado. Diz-se do cavalo que tem malha branca no dorso, na área onde assenta o selim ou sela; xairelado. Fraco; adoentado.
Xaveco | Chaveco – Pequena embarcação, mal construída ou velha; embarcação ordinária.
Xiraz – Cidade da Pérsia (atual Irão). Leite coalhado.
Xobregas - Formula antiga de Xabregas, antigo mosteiro de Lisboa.
Z
Zambuco – Embarcação de transporte asiática; sambuco. Do árabe sanbúq, «barca».
Zarguncho – Uma meia lança, azagaia d'arremesso usada dos Cafres.
Zeilá – Somália.
Zimbório – A parte mais e exterior da cúpula de um edifício.
Zorrague – Azorrague; chicote; látego.
Zuarte – Género de lençaria de algodão, que vem da Ásia. Pano azul ou preto de algodão; ganga azul.
Zumbáia | Zumbáya | Çalema – Cortesia profunda cos braços cruzados: çalema ou çumbaia (entre os Malaios), a qual cortesia é baixar a cabeça até aos joelhos e a mão direita no chão, e isto três vezes, antes que cheguem ao senhor, e chegados a ele, metem-lhe a cabeça entre as mãos, em sinal de que lha oferecem.
M.S.
Bibliografia:
Dicionário da Língua Portuguesa (António Moraes da Silva – 1813 Tomo I – 1831Tomo II)
Dicionário da Língua Portuguesa (Fr. D. Rafael Bluteau, Tomo Primeiro/Segundo – 1789)
Dicionário da Língua Portuguesa (Candido de Figueiredo – 1913)
Elucidário das Palavras, Termos e Frases (Fr. Joaquim de Santa Rosa Viterbo – Tomo Primeiro/Segundo)
Diccionario Portatil das Palavras, Termos e Frases (Fr. Joaquim de Santa Rosa Viterbo, Imprensa Real da Universidade, Coimbra, 1825)
Infopédia – Dicionários Porto Editora